1.0 — GENERALIDADES
0 cerehelo, órgão do sistema nervoso suprasegmentar.
deriva da parte dorsal do metencé-
falo e fica situado dorsalmente ao bulbo e à
ponte, contribuindo para a formação do tecto do
IV ventrículo. Repousa sobre a fossa cerebelar
do osso occipital e está separado do lobo occipital
do cérebro por uma prega da dura-máter
denominada tenda do cerebelo. Liga-se à medula
e ao bulbo pelo pedúnculo cerebelar inferior
e à ponte e mesencéfalo pelos pedúnculos
cerebelares médio e superior, respectivamente.
As funções do cerebelo, relacionadas com o
equilíbrio e a coordenação dos movimentos,
serão estudadas no Capítulo 24, juntamente
com sua estrutura e suas conexões.
2.0 — ALGUNS ASPECTOS
ANATÔMICOS
Anatomicamente, distingue-se no cerebelo
uma porção ímpar e mediana, o vermis, ligado
a duas grandes massas laterais, os hemisférios
cerebelares. O vermis é pouco
separado dos hemisférios .ha face superior do
cerebelo, o que não ocorre na face inferior, onde
dois sulcos bem evidentes o separam das partes
laterais.
A superfície do cerebelo apresenta sulcos de
direção predominantemente transversal, que
delimitam lâminas finas denominadas folhas do
cerebelo. Existem também sulcosmais pronunciados,
as fissuras do cerebelo, que delimitam
lóbulos, cada um deles podendo conter várias folhas. Esta disposição, visível na superfície do
cerebelo, é especialmente evidente
em secções do órgão, que dão também uma
idéia de sua organização interna. Vê-
se assim que o cerebelo é constituído de um
centro dc substância branca, o corpo medular
do cerebelo, dc onde irradiam as lâminas brancas
do cerebelo, revestidas externamente por
uma tina camada de substância cinzenta, o córtex
cerebelar. O corpo medular e o cerebelo com
as lâminas brancas que dele irradiam, quando
vistas em cortes sagitais, receberam o nome de
árvore da vida. No interior do corpo medular
existem quatro pares de núcleos de substância
cinzenta, que são os núcleos centrais do cerebelo:
denteado, emboliforme, globoso e fastigial.
Destes, pelo menos o núcleo denteado é
facilmente identificável, mesmo macroscopicamente,
em secções horizontais do cerebelo.
3.0 — LÓBULOS E FISSURAS
A divisão do cerebelo em lóbulos não tem
nenhum significado funcional e sua importância
é apenas topográfica. A nomenclatura dos
lóbulos e fissuras do cerebelo é bastante confusa,
havendo considerável divergência entre os
autores. Os lóbulos recebem denominações diferentes no vermis e nos hemisférios. A cada
lóbulo do vermis correspondem dois nos hemisférios , conforme indicado na Tabela
6.1, onde estão assinaladas também as fissuras
que os separam.
O estudo dos lóbulos do cerebelo deve ser
feito de preferência em peças em que o vermis
é seccionado sagitalmente, o que permite uma
identificação mais fácil das fissuras *.
Um bom sistema consiste em separar as fissuras
com pedaços de cartolina. Algumas considerações
poderão ser úteis para a identificação de
certos lóbulos. A língula está quase sempre
aderida ao véu medular superior. O folium
consiste apenas de uma folha do vermis. Para
encontrá-lo, pode-se acompanhar até o vermis
a fissura horizontal, sempre muito evidente, e o
folium estará adiante dela. Um lóbulo importante
é o flóculo, situado logo abaixo do ponto
em que o pedúnculo cerebelar médio penetra no
cerebelo, próximo ao nervo vestíbulo-coclear. Liga-se ao nódulo, lóbulo do vermis,
pelo pedúnculo do flóculo. As tonsilas são bem
evidentes na face inferior do cerebelo, projetando-se
medialmente sobre a face dorsal do bulbo. Esta relação é importante, pois em
certos casos de hipertensão craniana as tonsilas
podem comprimir o bulbo com graves conseqüências.
Isto decorre, por exemplo, de acidente nas punções lombares, quando a retirada
do liquor diminui subitamente a pressão no
espaço sub aracnóideo da medula. Neste caso,
estando aumentada a pressão intracraniana,
as tonsilas podem ser deslocadas caudalmente,
penetrando no forame magno e comprimindo o
bulbo
.
4.0 —DIVISÃO ONTOGENETICA E
FILOGENÉTICA DO CEREBELO
A divisão puramente anatômica em vermis e
hemisférios cerebelares é inadequada do ponto
de vista funcional e clínico. Surgiram, pois,
várias tentativas de se agruparem os lóbulos
cerebelares em áreas maiores, lobos, que tivessem
significação funcional mais evidente. A
divisão proposta por Larsell baseia-se principalmente
na ontogênese do cerebelo e leva em
conta o fato de que a primeira fissura que aparece
durante o desenvolvimento do órgão é a
póstero-lateral. Assim, ela divide o cerebelo em
duas partes muito desiguais: o lobo flóculo-nodular,
formado pelo flóculo e pelo nódulo; e o
corpo do cerebelo, formado pelo resto do órgão.
A seguir, aparece a fissura prima, que divide o
corpo do cerebelo em lobo anterior e lobo posterior . Temos a seguinte divisão divisão ontogenética
corpo do cerebelo
lobo flóculo-nodular
lobo anterior
lobo posterior
a)
De grande importância e a divisão filo gené tica do cerebelo, cuja compreensão exige o
conhecimento de alguns aspectos da filogênese
do órgão.
Os estudos de anatomia comparada indicam
a existência de três fases na filogênese do cerebelo,
as quais podem ser correlacionadas com a
complexidade de movimentos realizados pelo
grupo de vertebrados característico de cada
fase:
\- fase — a primeira fase da evolução do
cerebelo surgiu com o aparecimento dos
vertebrados mais primitivos, os ciclóstomos,
como a lampreia. Estes animais são
desprovidos de membros e têm movimentos
ondulatórios muito simples, havendo,
entretanto,' necessidade de se manterem
em equilíbrio no meio líquido. Para
isso, o cerebelo recebe impulsos dos canais
sémicirculares (localizados na parte
vestibular do ouvido interno), que informam
sobre a posição do animal e permitem
ao cerebelo coordenar a atividade muscular, de modo a manter o animal em
equilíbrio. O cerebelo surgido nesta fase
se chama arquicerebelo, tem conexões
vestibulares e é também denominado cerebelo
vestibular;
b) 2- fase — o cerebelo da segunda fase
surgiu com os peixes. Estes já possuem
membros (nadadeiras) e são capazes de
realizar movimentos mais elaborados que
os ciclóstomos. Neles surgiram, pela primeira
vez, receptores especiais denominados
fusos neuromusculares e órgãos neurotendíneos, que originam impulsos
nervosos denominados proprioceptivos,
os quais, após um trajeto pela medula
espinhal e bulbo, chegam ao cerebelo,
levando informações sobre o grau de contração
dos músculos. Estas informações
são importantes para a regulação do tônus
muscular e da postura do animal. A parte
do cerebelo que surgiu nesta fase, adicionando-se
ao arquicerebelo, é denominada
paleocerebelo. O paleocerebelo tem
conexões principalmente com a medula espinhal, sendo também denominado cerebelo
espinhal;
c) 3â
fase — o cerebelo de terceira fase
surgiu com os mamíferos que desenvolveram
a capacidade de utilizar os
membros para movimentos delicados e
assimétricos, os quais requerem uma
coordenação nervosa muito elaborada.
Concomitantemente houve grande desenvolvimento
do córtex cerebral, com
o qual o cerebelo passou a manter amplas
conexões. A parte do cerebelo que
surgiu nesta fase de sua evolução, adicionando-se
ao arqui e ao paleocerebelo,
é denominada neocerebelo. O neocerebelo
relaciona-se com o controle de movimentos
finos e, em vista de suas conexões
com o córtex cerebral, é denominado
também cerebelo cortical.
Sabemos que no sistema nervoso as partes que
sucessivamente vão surgindo durante a evolução
continuam a existir nos animais mais avançados,
onde, de um modo geral, mantém as mesmas
conexões e funções que tinham nos ancestrais.
Assim, o cerebelo do homem é formado
de três partes: arqui, páleo e neocerebelo, que
tem aproximadamente as mesmas conexões e
funções que vimos durante o estudo da fílogênese do órgão. O arquicerebelo corresponde ao
lobo flóculo-nodular, o paleocerebelo ao lobo
anterior mais a pirâmide e a úvula, enquanto o
neocerebelo corresponde ao resto do lobo posterior. Deste modo, a maior parte do
neocerebelo se localiza nos hemisférios, enquanto
o paleocerebelo é predominantemente
vermiano. Como será visto no Capítulo 24, a
divisão filogenética do cerebelo é importante
para a compreensão das conexões, funções e
lesões do órgão. Convém, entretanto, assinalar
que, embora a maioria dos autores admita esta
divisão, existem controvérsias quanto à exata
delimitação de cada parte.
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