0 tecido nervoso compreende basicamente
dois tipos celulares: os neurônios e as células
gliais ou neuroglia. O neurônio é a sua unidade
fundamental, com a função básica de receber,
processar e enviar informações. A neuroglia
compreende células que ocupam os espaços
entre os neurônios, com funções de sustentação,
revestimento ou isolamento, modulação da atividade neuronal e defesa. Após a diferenciação,
os neurônios dos vertebrados não se dividem,
ou seja, após o nascimento geralmente não são
produzidos novos neurônios. Aqueles que morrem
como resultado de programação natural ou
por efeito de toxinas, doenças ou traumatismos
jamais serão substituídos*. Já a neuroglia conserva
a capacidade de mitose após completa
diferenciação.
1.0 — NEURÔNIOS
São células altamente excitáveis que se comunicam
entre si ou com células efe tu adoras
(células musculares e secretoras), usando basicamente
uma linguagem elétrica, qual seja, modificações
do potencial de membrana. A membrana
celular separa dois ambientes que apresentam
composições iônicas próprias: o meio
intracelular (citoplasma), onde predominam
íons orgânicos com cargas negativas e potássio (K+
); e o meio extracelular, onde predominam
sódio (Na+
) e cloro (Cl). As cargas elétricas
dentro e fora da célula são responsáveis pelo
estabelecimento dc um potencial elétrico de
membrana. Na maioria dos neurônios, 0 potencial
de membrana em repouso está cm torno de
-60 a -70mV, com excesso de cargas negativas
dentro da célula. Movimento de íons através da
membrana permitem alterações deste potencial.
Como se sabe, íons só atravessam a membrana
através de canais iônicos, segundo o gradiente
de concentração. Os canais iônicos são formados
por proteína e caracterizam-se pela seletividade
e, alguns deles, pela capacidade de fechar-se
e abrir-se.
A maioria dos neurônios possui três regiões
responsáveis por funções especializadas
corpo
celular, dendritos (do grego, déndron = árvore)
c axônio (do grego áxon = eixo),
3.1.
1. — CORPO CELULAR
Contém núcleo e citoplasma com as organelas
citoplasmáticas usualmente encontradas em
outras células . O núcleo é geralmente
vesiculoso com um ou mais nucléolos evidentes . Mas encontram-se também neurônios com núcleos densos, como é o caso dos
núcleos dos grãnulos do córtex cerebelar. O
citoplasma do corpo celular recebe o nome dc pericário, termo que, às vezes, é usado como
sinônimo de corpo celular. No pericário, salienta-se
a riqueza em ribosomas, retículo endoplasmático
granular e agranular e aparelho de Golgi, ou seja, as organelas envolvidas em síntese. Os ribosomas podem concentrar-se
em pequenas áreas citoplasmáticas onde ocorrem livres ou aderidos a cisternas do retículo endoplasmático. Em conseqüência, à microscopia
óptica, vêem-se grumos basóíilos,
conhecidos como corpúsculos de Nissil ou substância cromidial . Mitocôndrias, abundantes
e geralmente pequenas, estão distribuí-
das por todo o pericário, especialmente ao redor
dos corpúsculos de Nissl, sem, no entanto, penetrá-los
(Fig. 3.2). Microtúbulos e microfilamentos
de actina são idênticos aos de células
não-neuronais, mas os filamentos intermediá-
rios (8 a llnm de diâmetro) diferem, por sua
constituição bioquímica, dos das demais células;
são específicos dos neurônios, razão pela
qual se denominam neurofilamentos.
O corpo celular é o centro metabólico do
neurônio, responsável pela síntese de todas as
proteínas neuronals, bem como pela maioria
dos processos de degradação c renovação de
constituintes celulares, inclusive de membranas.
As funções de degradação justificam a
riqueza em lisosomas, entre os quais os chamados
grânulos de lipofuscina. Estes são corpos
lisosômicos residuais que aumentam em número
com a idade.
A forma e o tamanho do corpo celular são
extremamente variáveis, conforme o tipo de
neurônio. Por exemplo, nas células de Purkinje
do córtex cerebelar, os corpos celulares
são piriformes e grandes, com diâmetro
médio de 50-80|Xm; nesse mesmo córtex, nos
grânulos do cerebelo, são esferoidais, com
diâmetro de 4-5u.m; nos neurônios sensitivos
dos gânglios espinhais são também esferoidais,
mas com 60-120uxn de diâmetro;
corpos celulares estrelados e piramidais são também comuns, ocorrendo, por
exemplo, no córtex cerebral. Do
corpo celular partem os prolongamentos
(dendritos e axônio), porém as técnicas histológicas
de rotina mostram apenas
o corpo neuronal e, nos maiores, as porções
iniciais de seus prolongamentos. A visualiza-
ção desses últimos exige técnicas especiais de
coloração.
O corpo celular é. como os dendritos, local
de recepção de estímulos, através de contatos
sinápticos, conforme será discutido no item 2.0.
Nas áreas da membrana plasmática do corpo
neuronal que não recebem contatos sinápticos
apóiam-se elementos gliais.
1.2 —DENDRITOS
Geralmente são curtos (de alguns micrômetros
a alguns milímetros de comprimento) e
ramificam-se profusamente, à maneira de galhos
de uma árvore, em ângulo agudo, originando
dendrites de menor diâmetro. Apresentam
contorno irregular. Podem apresentar os mesmos
constituintes citoplasmáticos do pericário.
No entanto, o aparelho de Golgi limita-se as
porções mais calibrosas, próximas ao pericário.
Já a substância de Nissl penetra nos ramos mais
afastados, diminuindo gradativãmente até ser
excluída das menores divisões. Caracteristicamente,
os microtúbulos são elementos predominantes
nas porções iniciais e ramificações mais
espessas.Os dendrites são especializados em receber
estímulos, traduzindo-os em alterações do potencial
de repouso da membrana. Tais altera-
ções envolvem entrada ou saída de determinados
íons e podem expressar-se por pequena
despolarização ou hiperpolarizacão. A despolarização
é excitatória e significa redução da
carga negativa do lado citoplasmâtico da membrana.
A hiperpolarizacão é inibitóriae significa
aumento da carga negativa do lado de dentro da
célula ou, então, aumento da positiva do lado de
fora, conforme será explicado no item 2.2.4. Os
distúrbios elétricos que ocorrem ao níyeX-dQS
dendrites e do corpo celular constituem potenciais
grqduávei^ (podem somar-se), também
chamados eletrotônicos, de pequena amplitude
(K)OuV-lOmV), e que percorrem pequenas distâncias (1 a 2mm no máximo) até se extinguirem.
Esses potenciais propagam-se em direção
ao corpo e, neste, em direção ao cone de implantação
do axônio.
1.3 —AXÔNIO
A grande maioria dos neurônios possui um
axônio, prolongamento longo e fino que se origina
do corpo ou de um dendrite principal, em
região denominada cone de implantação, praticamente
desprovida de substância cromidial
(Fig. 3.1). O axônio apresenta comprimento
muito variável, dependendo do tipo de neurônio, podendo ter, na espécie humana, de alguns
milímetros a mais de um metro. É cilíndrico e,
quando se ramifica, o faz em ângulo obtuso,
originando colaterais de mesmo diâmetro do
inicial. Estruturalmente, apresenta, além da
membrana plasmática ou axolema, o citoplasma
axônico ou axoplasma, contendo microtúbulos, neurofilamentos, microfilamentos, retículo endoplasmático agranular, mitocôndrias e
vesículas.
O axônio é capaz de gerar, em seu segmento
inicial, alteração do potencial de membrana,denominada potencial de ação ou impulso nervoso,
ou seja, despolarização da membrana de
grande amplitude (70-110mV)*, do tipo "tudo
ou nada", capaz de repetir-se ao longo do axô-
nio, conservando sua amplitude até atingir a
terminação axônica. Portanto, o axônio é especializado
em gerar e conduzir o potencial de
ação. O local onde o primeiro potencial de ação
é gerado denomina-se também zona gatilho. Tal
especialização da membrana plasmática se
deve à presença de canais de sódio e potássio
sensíveis à voltagem , isto é, canais
iônicos que ficam fechados no potencial de
repouso da membrana e se abrem quando despolarizações de pequena amplitude (os potenciais
graduáveis referidos acima) os atingem. O
potencial de ação originado na zona gatilho
repete-se ao longo do axônio porque ele próprio
origina distúrbio local eletrotônico que se propaga
até novos locais ricos em canais de sódio
e potássio sensíveis à voltagem.
Os axônios, após emitir número variável de
colaterais, geralmente sofrem arborização terminal.
Através dessa porção terminal, estabelecem
conexões com outros neurônios ou com
células efetuadoras, conforme será
estudado no item 2.0. Alguns neurônios, entretanto,
especializam-se em secreção. Seus axônios terminam próximos a capilares sangüineos, que captam o produto de secreção liberado,
geralmente um polipeptídeo. Neurônios
desse tipo são denominados neurossecretores e ocorrem na região do cérebro denominada
hipotálamo.
1.4 _ CLASSIFICAÇÃO DOS
NEURÔNIOS QUANTO AOS
SEUS PROLONGAMENTOS
A maioria dos neurônios possui vários dendrites
e um axônio; por isso são chamados
multipolares (Fig. 3.1). Nesses neurônios, conforme
já descrito, os dendrites conduzem potenciais
graduáveis em direção ao pericário, e
este, em direção à zona gatilho, onde é gerado
o potencial de ação que se propaga em direção à terminação axônica. Mas há também neurô-nios bipolares e pseudo-unipolares*.
Nos neurônios bipolares , dois
prolongamentos deixam o corpo celular, um
dendrito e um axônio. Entre eles estão os neurônios
bipolares da retina e do gânglio espiral
do ouvido interno. Nos neurônios pseudo-unipolares , cujos corpos celulares se
localizam nos gânglios sensitivos, apenas um
prolongamento deixa o corpo celular, logo dividindo-se,
à maneira de um T, em dois ramos, um
periférico e outro central. O primeiro dirige-se
à periferia, onde forma terminação nervosa
sensitiva; o segundo dirige-se ao sistema nervoso
central, onde estabelece contatos com outros
neurônios. As terminações nervosas sensitivas
(serão estudadas no Capítulo 11 B) são especializadas
em transformar estímulos físicos ou quí-
micos em potenciais elétricos graduáveis. Na
neurogênese, os neurônios pseudo-unipolares à terminação axônica. Mas há também neurônios bipolares e pseudo-unipolares*.
Nos neurônios bipolares , dois
prolongamentos deixam o corpo celular, um
dendrito e um axônio. Entre eles estão os neurônios
bipolares da retina e do gânglio espiral
do ouvido interno. Nos neurônios pseudo-unipolares , cujos corpos celulares se
localizam nos gânglios sensitivos, apenas um
prolongamento deixa o corpo celular, logo dividindo-se,
à maneira de um T, em dois ramos, um
periférico e outro central. O primeiro dirige-se
à periferia, onde forma terminação nervosa
sensitiva; o segundo dirige-se ao sistema nervoso
central, onde estabelece contatos com outros
neurônios. As terminações nervosas sensitivas
(serão estudadas no Capítulo 11 B) são especializadas
em transformar estímulos físicos ou quí-
micos em potenciais elétricos graduáveis. apresentam, de início, dois prolongamentos,
havendo fusão posterior de suas porções iniciais.
Ambos os prolongamentos têm estrutura
de axônio, embora o ramo periférico conduza o
impulso nervoso em direção ao pericário, à
maneira de um dendrito. Como um axônio, esse
ramo é capaz de gerar potencial de ação. Nesse
caso, entretanto, a zona gatilho situa-se perto da
terminação nervosa sensitiva. Essa terminação
recebe estímulos, originando potenciais graduáveis que, ao alcançar a zona gatilho, provocam
o aparecimento de potencial de ação. Este é
conduzido centricipitalmente, passando diretamente
do prolongamento periférico ao prolongamento
central .
1.5 — FLUXO AXOPLASMATICO
Por não conter ribosomas, os axônios são
incapazes de sintetizar proteínas. Portanto, toda
proteína necessária à manutenção da integridade
axônica, bem como às funções das terminações
axônicas, deriva do pericário. Por outro
lado, as terminações axônicas necessitam também
de organelas como mitocôndrias e retículo
endoplasmático agranular. Assim, é necessário um fluxo contínuo de substâncias solúveis e de
organelas, do pericário à terminação axônica.
Para renovação dos componentes das terminações,
c imprescindível o fluxo de substâncias
e organelas em sentido oposto, ou seja, em
direção ao pericário. Esse movimento de organelas
e substâncias solúveis através do axoplasma
é denominado fluxo axoplasmático. Há dois
tipos de fluxo, que ocorrem paralelamente:
fluxo axoplasmático anterograde), em direção à
terminação axônica, e fluxo axoplasmático retrógrado,
em direção ao pericário*.
As terminações axônicas tem capacidade endocítica.
Tal propriedade permite a captação de
substâncias trófícas, como os fatores de crescimento
de neurônios, que são carreadas até o
corpo celular pelo fluxo axoplasmático retró-
grado. A endocitose e o transporte retrógrado
explicam também por que certos agentes patogenicos,
como vírus e toxinas, podem atingir o
sistema nervoso central, após captação pelas
terminações axônicas periféricas.
O fluxo axoplasmático permitiu a idealização
de várias técnicas neuroanatômicas baseadas
em captação e transporte de substâncias
que, posteriormente, possam ser detectadas.
Assim, por exemplo, um aminoácido radioativo
introduzido em determinado ponto da área motora
do córtex cerebral é captado por pericários
corticais e, pelo fluxo axoplasmático anterógrado,
alcança a medula, onde pode ser detectado
por radioautografia. Pode-se, então, concluir
que existe uma via córtico-espinhal, ou seja,
uma via formada por neurônios cujos pericários
estão no córtex e os axônios terminam na medula.
Outro modo de se estudar esse tipo de
problema consiste no uso de macromoléculas
que, após captação pelas terminações nervosas,
são transportadas até o pericário graças ao fluxo
axoplasmático retrógrado. Assim, introduzindo-se
a enzima peroxidase em determinadas
áreas da medula posteriormente ela poderá ser
localizada, com técnica histoquímica nos pericários
dos neurônios corticais que formam a via
córtico-espinhal já referida. O método de marcação retrógrada com peroxidase causou enorme
avanço da neuroanatomia na última década.
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