— FILOGÊNESE DO SISTEMA NERVOSO —
                                                                   ORIGEM DE ALGUNS REFLEXOS
       Os seres vivos, mesmo os mais primitivos. elevem continuamente se ajustar ao meio ambiente para sobreviver. Para isto, três propriedades do protoplasma são especialmente importantes: irritabilidade, condutibilidade e contratilidade,A irritabilidade, ou propriedade de ser sensível a um estímulo, permite a uma célula detectar as modificações do meio ambiente. Sabemos que uma célula é sensível a um estímulo quando ela reage a este estímulo, por exemplo, dando origem a um impulso que é conduzido através do protoplasma (condutibilidade). determinando uma resposta em outra parte da célula. Esta resposta pode se manifestar por um encurtamento da célula (contratilidade), visando fugir de um estímulo nocivo. Um organismo unicelular como a ameba apresenta todas as propriedades do protoplasma, inclusive as três propriedades acima mencionadas. Assim, quando tocamos uma ameba com a agulha de um micromanipulador, vemos que lentamente ela se afasta do ponto onde foi tocada. 
      — Célula muscular primitiva de uma esponja. a outras partes da célula, determinando retração de um lado e emissão de pseudocodes do outro. Tendo todas as propriedades do protoplasma, uma célula como a ameba não se especializou em nenhuma delas e suas reações são muito rudimentares. Em seres um pouco mais complicados como as esponjas {phylum Porifera), vamos encontrar células em que uma parte do citoplasma se especializou para a contração e outra, situada na superfície, desenvolveu mais as propriedades da irritabilidade e condutibilidade (Fig. 1.1). Estas células musculares primitivas são encontradas no epitélio que reveste os orifícios que permitem a penetração da água no interior das esponjas. Substâncias irritantes colocadas na água são detectadas por estas células, que se contraem fechando os orifícios. Com o aparecimento de metazoários mais complicados, as células musculares passaram a ocupar posição mais profunda, perdendo o contato direto com o meio externo. Surgiram, então, na superfície, células que se diferenciam para receber os estímulos do meio ambiente, transmitindo-os às células musculares subjacentes. Estas células especializadas em irritabilidade (ou excitabilidade) e condutibilidade foram os primeiros neurônios que provavelmente surgiram nos celenterados. Assim, no tentáculo de uma anêmona do mar, existem células nervosas unipolares, ou seja, com um só prolongamento denominado axônio, que faz contato com células musculares situadas mais profundamente. Na extremidade destas células nervosas situadas na superfície desenvolveu-se uma formação especial denominada receptor. O receptor transforma vários Aesculapius 
                                                             NEUROANATOMIA FUNCIONAL
         — Esquema de um dispositivo neuromuscular no tentáculo de um celentcrado. tipos de estímulos físicos ou químicos em impulsos nervosos, que podem, então, ser transmitidos ao efetuador, músculo ou glândula. No correr da evolução apareceram receptores muito complexos para os estímulos mais variados. O dispositivo neuromuscular do tentáculo da anêmona do mar permite respostas apenas locais, no caso relacionadas com deslocamento de partículas de alimento em direção à boca do animal. Em outras partes do corpo dos celenterados existe uma rode de fibras nervosas formadas principalmente por ramificações dos neurô- nios da superfície, permitindo difusão dos impulsos nervosos em várias direções. Este tipo de sistema nervoso difuso foi substituído nos platelmintos c anelídeos por um sistema nervoso mais avançado, no qual os elementos nervosos tendem a se agrupar em um sistema nervoso central (centralização do sistema nervoso). Nos anelídeos, como a minhoca, o sistema nervoso é segmentado, sendo formado por um par de gânglios cerebróides e uma série de gânglios unidos por uma corda ventral, correspondendo aos segmentos do animal. O estudo do arranjo dos neurônios em um destes segmentos mostra dispositivos nervosos bem mais complexos do que os já estudados nos celenterados. No epitélio da superfície do animal temos neurônios que, por meio de seu axônio, estão ligados a outros neurônios cujos corpos estão situados no gânglio. Estes, por sua vez, possuem um axônio que faz conexão com os músculos . Os neurônios situados na superfície são especializados em receber os estímulos e conduzir os impulsos ao centro. Por isto são denominados neurônios sensitivos ou neurônios aferentes. Os neurônios situados no gânglio e especializados na condução do impulso do centro até o efetuador,Axônio do neurônio eferente \ Axônio do neurônio aferente \ Sinapse / Estímulo  — Esquema de um arco reflexo simples em um segmento de anclídeo. dor, no caso, o músculo, denominam-se neurônios motores ou eferentes. Os termos aferente e eferente, que aparecem pela primeira vez, serão largamente usados e devem, pois, ser conceituados. São aferentes os neurônios, fibras ou feixes de fibras que trazem impulsos a uma determinada área do sistema nervoso, e eferentes os que levam impulsos desta área. Portanto, aferente se refere ao que entra, c eferente ao que sai de unia determinada área do sistema nervoso. Assim, neurônios cujos corpos estão no cérebro e terminam no cerebelo são eferentes ao cérebro e aferentes ao cerebelo. Deve-se, pois, sempre especificar o órgão ou a areado sistema nervoso em relação à qual os termos são empregados. Quando isto não é feito, entende-se que os termos foram empregados em relação ao sistema nervoso central, como nos dois neurônios da minhoca acima descritos. A conexão do neurônio sensitivo com o neurônio motor no exemplo acima se faz através de uma sinapse localizada no gânglio. Temos, assim, em um segmento de minhoca os elementos básicos de um arco reflexo simples, ou seja, um neurônio aferente com seu receptor, um centro onde ocorre a sinapse e um neurônio eferente que se liga ao efetuador, no caso, os músculos. Tal dispositivo permite à minhoca contrair a musculatura do segmento por estímulo no pró- prio segmento, o que pode ser útil para evitar determinados estímulos nocivos. Este arco reflexo é intra-segmentar, pois a conexão entre o neurônio aferente e o eferente envolve apenas um segmento. Devemos considerar, entretanto, que a minhoca é um animal segmentado e que, às vezes, para que ela possa evitar um estímulo Aesculapius 
                                        
                                 ALGUNS ASPECTOS DA FILOGÊNESE DO SISTEMA NERVOSO 

      nocivo aplicado em um segmento pode ser necessário que a resposta se faça em outros segmentos. Existe, pois, no sistema nervoso deste animal um terceiro tipo de neurônio, denominado neurônio de associação (ou internuncial), que faz a associação de um segmento com outro. Assim, o estímulo aplicado em um segmento dá origem a um impulso que é conduzido pelo neurônio sensitivo ao centro (gânglio). O axônio deste neurônio faz sinapse com o neurônio de associação, cujo axônio, passando pela corda ventral do animal, estabelece sinapse com o neurônio motor do segmento vizinho. Deste modo, o estímulo se inicia em um segmento e a resposta se faz em outro. Temos um arco reflexo inter segmentar, pois envolve mais de um segmento e é um pouco mais complicado que o anterior, pois envolve duas sinapses e três neurônios, sensitivo, motor e de associação. Acorda ventral de um anelídeo é percorrida por um grande número de axônios de neurônios de associação que ligam segmentos do animal, às vezes distantes. 

                        ALGUNS REFLEXO S DA MEDULA ESPINHAL DOS VERTEBRADOS 

         O conhecimento das conexões dos neurônios no sistema nervoso da minhoca nos permite entender algumas das conexões da medula espinhal dos vertebrados, inclusive do homem. Também aí vamos encontrar arcos reflexos simples, semelhantes aos que vimos na minhoca. Um exemplo temos no reflexo patelar (Fig. 1.5), Neurônio eferente Neurônio de associação Estímulo nocivo big. 1.4 — Esquema de parte de um animal segmentado, mostrando um arco reflexo intersegrnentar. freqüentemente testado pelos neurologistas. Quando o neurologista bate com seu martelo no joelho de um paciente, a perna se projeta para frente. O martelo estimula receptores no músculo quadriceps, dando origem a impulsos nervosos que seguem pelo neurônio sensitivo. O prolongamento central destes neurônios penetra na medula e termina fazendo sinapse com neurônios motores aí situados. O impulso sai pelo axônio do neurônio motor e volta ao membro inferior, onde estimula as libras do músculo quadriceps, fazendo com que a perna se projete para a frente. Na medula espinhal dos vertebrados, existe uma segmentação, embora não tão nítida como na corda ventral dos anelídeos. Esta segmentação é evidenciada pela conexão dos vários pares de nervos espinhais. Existem reflexos na medula dos vertebrados nos quais a parte aferente do arco reflexo se liga à parte eferente no mesmo segmento ou em segmentos adjacentes. Estes reflexos são considerados intra-segmentares, sendo um exemplo o reflexo patelar.* Entretanto, um grande número de reflexos medulares são intersegmentares, ou seja, o impulso aferente chega à medula em um segmento e a resposta eferente se origina em segmentos às vezes muito distantes, situados acima ou abaixo. Na composição destes arcos reflexos existem neurônios de associação que, na minhoca, associam níveis diferentes dentro do sistema nervoso. Um exemplo clássico de reflexo intersegmentar temos no chamado ''reflexo de cocar" do cão. Em um cão previamente submetido a uma secção da medula cervical para se eliminar a interferência do encéfalo, estimulase a pele da parte dorsal do tórax puxando-se ligeiramente um pêlo. Observa-se que a pata posterior do mesmo lado inicia uma série de movimentos rítmicos semelhantes aos que o animal executa quando coca, por exemplo, o local onde é picado por uma pulga. Sabe-se que este arco reflexo envolve os seguintes elementos: a) neurônios sensitivos ligando a pele ao segmento correspondente da parte torácica da medula espinhal; b) neurônios de associação com um longo axônio descendente ligando esta parte da medula espinhal aos segmentos que * Na realidade c possível que arcos reflexos rigorosamente intra-segmentares não existam nos mamíferos. Assim, verificou-se no gato que a menor porção de medula espinhal que se pode isolar, mantendo-se sua atividade reflexa, contém dois ou três segmentos.

                                                          NEUROANATOMIA FUNCIONAL

                     EVOLUÇÃO DOS TRÊS NEURÔNIOS FUNDAMENTAIS DO SISTEMA NERVOSO

        Vimos como apareceram durante a filogênese os três neurônios fundamentais já presentes nos anelídeos, ou seja, o neurônio aferente (ou sensitivo), o neurônio eferente (ou motor) e o neurônio de associação. Todos os neurônios existentes no sistema nervoso do homem, embora recebendo nomes diferentes e variados em diferentes setores do sistema nervoso central, podem, em última análise, ser classificados em um destes três tipos fundamentais. Vejamos algumas modificações sofridas por estes três neurônios durante a evolução. 
          NEURÔNIO AFERENTE (OU SENSITIVO)  Surgiu na filogênase com a função de levar ao sistema nervoso central informações sobre as modificações ocorridas no meio externo, estando inicialmente em relação com a superfície do animal. O aparecimento de metazoários mais complexos com várias camadas celulares trouxe como conseqüência a formação de um meio interno. Em virtude disto, alguns neurônios aferentes passaram a levar ao sistema nervoso informações sobre as modificações deste meio interno. Muito interessantes foram as mudanças na posição do corpo do neurônio sensitivo ocorridas durante a evolução. Em alguns anelídeos este corpo está localizado no epitélio de revestimento, portanto, em contato com o meio externo, e o neurônio sensitivo é unipolar. Nos moluscos temos neurônios sensitivos cujos corpos estão situados no interior do animal, mantendo um prolongamento na superfície. O neurônio sensitivo é bipolar. Já nos vertebrados, a quase totalidade dos neurônios aferentes têm seus corpos em gânglios sensitivos situados junto ao sistema nervoso central, sem, entretanto, penetrar nele. Nesta situação, a maioria dos neurônios sensitivos dos vertebrados é pseudo-unipolar. Tivemos, assim, durante a tilogênese, uma tendência de centraliza- ção do corpo do neurônio sensitivo. Esta tendência provavelmente resultou da seleção natural, pois a posição do corpo de um neurônio na superfície não é vantajosa. 
                      ALGUNS ASPECTOS DA FILOGÊNESE DO SISTEMA NERVOSO
        Ao contrário dos axônios, que podem se regenerar, as lesões do corpo de um neurônio são irreversíveis. Em relação com a extremidade periférica dos neurônios sensitivos surgiram estruturas às vezes muito elaboradas, os receptores, capazes de transformar os vários tipos de estímulos físicos ou químicos em impulsos nervosos, que são conduzidos ao sistema nervoso central pelo neurônio sensitivo. 

        NEURÔNIO EFERENTE (OU MOTOR) A função do neurônio eferente é conduzir o impulso nervoso ao órgão efetuador, que, nos mamíferos, é um músculo ou uma glândula. O impulso eferente determina, assim, uma contra- ção ou uma secreçâo. .0 corpo do neurônio eferente surgiu dentro do sistema nervoso central e a maioria deles permaneceu nesta posição durante toda a evolução. Contudo, os neurô- nios eferentes que inervam os músculos lisos. músculos cardíacos ou glândulas têm seus corpos fora do sistema nervoso central, em estruturas que são os gânglios viscerais. Estes neurônios pertencem ao sistema nervoso autô- nomo e serão estudados com o nome de neurô- nios pós-ganglionares. Já os neurônios eferentes que inervam músculos estriados esqueléticos têm seu corpo sempre dentro do sistema nervoso central (por exemplo, na coluna anterior da medula) e recebem vários nomes: neurônios motores primários, neurônios motores inferiores ou via motora final comum de Sher-, rington.—
       NEURÔNIOS DE ASSOCIAÇÃO O aparecimento dos neurônios de associação trouxe um considerável aumento do número de sinapses, aumentando a complexidade do sistema nervoso e permitindo a realização de padrões de comportamento cada vez mais elaborados. O corpo do neurônio de associação permaneceu sempre dentro do sistema nervoso central e seu número aumentou muito durante a evolução. Este aumento foi maior na extremidade anterior dos animais. A extremidade anterior de uma minhoca, ou mesmo de animais mais evoluídos, é aquela que primeiro entra em contato com as mudanças do ambiente, quando o animal se desloca. Esta extremidade se especializou para exploração do ambiente e alimentação, desenvolvendo um aparelho bucal e órgãos de sentido mais complexos, como olhos,, ouvidos, antenas etc. Paralelamente, houve nesta extremidade uma concentração de neurônios de associação, dando origem aos vários tipos de gânglios cerebróides dos invertebrados ou ao encéfalo dos vertebrados. O encéfalo aumentou consideravelmente durante a fílogênese dos vertebrados (encefalização). atingindo o máximo de desenvolvimento no encéfalo humano. Os neurônios de associação constituem a grande maioria dos neurônios existentes no sistema nervoso central dos vertebrados, onde recebem vários nomes. Alguns têm axônios longos e fazem conexões com neurônios situados em áreas distantes. Outros têm axônios curtos e ligam-se apenas com neurônios vizinhos. Estes são chamados neurônios internunciais ou interneurônios. Em relação com os neurônios de associação situados no encéfalo surgiram as funções psíquicas superiores. Chegamos, assim, ao ápice do sistema nervoso.